quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Fernando Pessoa era diferente e misterioso II


As condições do prestígio

«Parece que a primeira condição do prestígio deve ser a superioridade — a superioridade por nós reconhecida. Não é assim. A só superioridade não evita a inveja (…)

A quem não temos por superior, e nos supera nos benefícios da vida, invejamos, invejamos simplesmente. A quem temos por nosso superior, porém como da mesma espécie que nós e nosso superior só em grau, invejamos ainda, porém de diverso modo: invejamos que a Natureza, que não já a Sorte ou o Destino, lhe concedesse as qualidades, por meio das quais nos supera. A quem, porém, sentimos não só superior, senão também diferente, dificilmente invejaremos, salvo se a inveja for uma disposição habitual nossa. Não há contraste sem semelhança. Não podemos comparar-nos com quem nos não parecemos. O nosso superior semelhante faz o que fazemos, porém melhor; o nosso superior diferente faz o que não poderíamos fazer nunca. (…)

A primeira condição do prestígio é, pois, necessariamente a diferença — a diferença, porém, desacompanhada de inferioridade. Todos sentimos diferente um louco ou um imbecil; a nenhum damos prestígio. Não falemos ainda de superioridade; falemos só de diferença. A primeira condição do prestígio é a diferença que não é inferior. É que todo o raro, desde que não seja baixo, atrai e preocupa.

Como, porém, a diferença tanto mais nos preocupará quanto menos pudermos definir em que consiste, segue que a segunda condição do prestígio é o mistério. Todos os grandes fascinadores se destacam por diferentes, e se insinuam por não se revelarem. Quando ouvirdes dizer que certo homem é «interessante» — é o primeiro adjectivo do prestígio — vereis que se deve entender que de certo modo se não compreende bem o que pensa, o que sente, que carácter tem. (…)

A terceira — mas só a terceira — condição do prestígio é, então, a superioridade. Quando é enorme e sensível envolve já a diferença, e por aí, que não por si, se prestigia. Quando é súbita, deslumbrante envolve já o mistério, e por ele, que não por si, adquire prestígio. De per si — isto é, como superioridade explicável, racional — não é nem o primeiro nem o segundo elemento da sujeição do espírito alheio.

São estas as três condições do prestígio. Quem queira analisar o conteúdo d'ele não encontrará mais que isto. O prestígio do homem de génio é d'esta ordem, porque o génio é diferente e misterioso.»

Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.


No próximo post, farei uma breve abordagem a este assunto: Como e quando se alcança prestígio? Será um atributo apenas dependente das nossas acções ou envolverá essencialmente o reconhecimento da sociedade?



5 comentários:

Inês Brito disse...

Olá Patrícia!

Eu gosto bastante do curso de LLC. A minha variante é de Português/Espanhol. Tem várias saídas por mestrado, e até mesmo com a licenciatura ficas bem preparada para o mundo do trabalho. Se tiveres mais alguma dúvida podes enviar-me mail ;)

Bj,
(i)

"AnD'z" disse...

ahah Obrigado, acho que as vendas destes livros disparavam com títulos destes xD

"AnD'z" disse...

Exacto!

Rosa Branca disse...

Gosto dos excertos que aqui pões.:P O fernandinho era um espectáculo**

Diário de uma adolescente disse...

POE O TEXTO DA MAÇA :D
ADORO.TE